O feitiço do trabalho assalariado

A libertação dos escravos era necessária ao capitalismo, mas não porque tinha o potencial de aumentar o mercado consumidor. O trabalhador assalariado gera uma produtividade maior que o escravo, pois o medo de perder o emprego e encontrar a fome o submete a uma opressão extrema e “voluntária”. Além disso o trabalho com as máquinas demanda um trabalhador que “voluntariamente” preserve e colabore com o equipamento (o ludismo foi uma forma inicial de resistência dos trabalhadores fabris, mas rapidamente superada, pois quebrar as máquinas significa ficar sem trabalho e, portanto, sem salário). A exploração do assalariado é uma forma mais sutil de escravidão, que chega a enganar completamente os reais criadores de valor e faz parecer que eles é que dependem do sistema, quando na verdade todo o sistema depende da exploração da força dos trabalhadores.

Essa exploração e sua profundidade não são percebidas facilmente (apesar das suas consequências serem visíveis na pobreza, na doença, na falta de segurança). Ficam mascaradas, quase como se estivessem sob um tipo de feitiço. É necessário retirar o véu que recobre essa realidade. Denunciar o segredo desse truque e permitir que os trabalhadores, adquirindo consciência da realidade, possam mudar o mundo e assumir o controle sobre suas próprias vidas para que encontrem verdadeiramente a liberdade. Só assim o trabalho deixará de ser uma forma de opressão e se tornará uma forma de emancipação.

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O bolsonarismo não existe

O canal de notícias “my news” divulgou um vídeo sobre o ato em apoio ao ex-juiz sérgio moro e ao governo (?) bolsonaro no dia 30 de junho de 2019. No vídeo, a 1 minuto e 30 segundos, um cidadão afirma que está com bolsonaro por causa “de quem está por trás dele”. Esse pequeno discurso junta-se a outras evidências que demonstram não haver um bolsonarismo. O atual presidente do brasil é apenas a expressão de um pensamento político muito forte no brasil, mas que não se organiza ao redor dele – tem em bolsonaro apenas um de seus sintomas.

Não existe um bolsonarismo, pois ele não é figura essencial a esse pensamento político. Dória poderia expressá-lo, assim como o Witzel ou qualquer outro que estivesse disposto a usar a retórica agressiva, por meio da qual esse pensamento se expressa hoje. Mas nem essa retórica agressiva é essencial. Quando o PSDB dominava a política brasileira no plano federal, a retórica era de modernização e sofisticação, mas o pensamento político era o mesmo.

E de qual pensamento político falamos? Na falta de expressão melhor, creio que a palavra ‘reacionarismo‘ o define bem.

Há quem fale em fascismo, protofascismo, semifascismo, autoritarismo, atavismo escravista – essa última definição me parece boa, mas ainda creio que ‘reacionarismo’ expressa melhor a essência do pensamento político por trás do bolsonaro. Chamar esse pensamento de fascista ou de autoritário é limitá-lo. O autoritarismo é um recurso, um instrumento usado pelo reacionarismo, mas não o seu centro. Esse pensamento pode usar muitas ferramentas, e só apela ao autoritarismo quando outros recursos falham. Não se enganem, a violência cotidiana no Brasil, real e simbólica, é o instrumento mais usado pelo reacionarismo, mas o discurso de tipo fascista, tão na moda recentemente e expresso de modo patético por bolsonaro e seus olavetes, é guardado para momentos especiais.

E qual seria a essência do pensamento reacionário? A busca pela manutenção do statu quo e a consequente reação a toda e qualquer mudança.

Os reacionários brasileiros não querem mudanças. Qualquer modernização só é aceita se no fundo não mudar nada, se for uma modernização conservadora. Mais que um “atavismo escravista”, o reacionarismo é um atavismo colonial. Nossos reacionários desejam a manutenção de um status que é, estruturalmente colonial, incluindo-se a submissão (econômica e cultural) a uma potência estrangeira, a falta de um projeto nacional e de desenvolvimento autônomo e a consequente inserção na divisão internacional do trabalho de modo periférico, bem como a ojeriza à base da classe trabalhadora. Esses aspectos coloniais estão inter-relacionados, pois são as características estruturais que mantêm a profunda desigualdade social, base dos ganhos da elite (pela superexploração da classe trabalhadora), dos privilégios do segmento médio (pela possibilidade de se beneficiar do achatamento da renda do trabalhador) e do estado de fragmentação e desorganização da classe trabalhadora (premida pela necessidade de sobrevivência e sem a possibilidade de obter renda necessária a superar a pobreza nacional em virtude da fragilidade das forças produtivas locais – monocultura de soja não sustenta um país. Além disso, a ojeriza ao trabalho da base social faz com que os próprios trabalhadores procurem meios de sair individualmente do atoleiro, e não como classe nem como Nação)

Se as mudanças sociais parecerem ameaçar o equilíbrio desigual entre as classes, os segmentos de maior renda reagirão furiosamente – foi assim em 1964 e 2013/16, e foi isso que sustentou a eleição de bolsonaro e dá ânimo a seus apoiadores. O apoio não é ao presidente nem ao ex-juiz, mas “ao que está por trás” – e o que esta por trás não são “os generais”, como abstratamente o cidadão do vídeo indicado acima define a resposta autoritária do reacionarismo a qualquer aparência de mudança social. O que está por trás é o reacionarismo, a resistência a mudanças no padrão de relacionamento entre as classes. No Brasil, os segmentos médios beneficiam-se da superexploração da classe trabalhadora, mesmo fazendo parte dessa mesma classe. Mas essa situação é frágil e, por isso, reagem tão violentamente quando sentem que perdem algo de seu prestígio e privilégio.

Nesse sentido, o bolsonarismo não existe, o que existe é o reacionarismo. O apoio a bolsonaro e o uso de sua retórica de tipo “fascistoide vira-lata” é apenas a expressão deste momento. Era a forma mais viável de afastar a mínima possibilidade de mobilidade social (mesmo que fosse dentro das mesmas estruturas excludentes).

Logo logo o reacionarismo vai encontrar outra forma de expressão, fazendo com que o “fascistismo vira-lata” volte à franja da sociedade (para que seja economizado e possa ser usado novamente quando necessário). Suponho, inclusive, que a próxima forma do reacionarismo será uma “direita moderada”, que procurará resgatar o tom retórico da era FHC – mas não nos enganemos, será tão extremista em seu “fundamentalismo de mercado” e desejo de submissão colonial quanto é hoje.

E não nos enganemos, esse reacionarismo sustenta a manutenção do Brasil como um país periférico do capitalismo – produtor de commodities (soja, açúcar, carne, minério de ferro etc.). Para superarmos nossos problemas precisamos vencer esse duplo desafio: sair da periferia e superar o capitalismo. Sair da periferia significa buscar uma forma de desenvolvimento autônomo. Superar o capitalismo significa garantir a nós trabalhadores a justa  fração da riqueza que nós produzimos.

Por isso é importante termos clareza que nosso adversário não é bolsonaro, mas sim uma estrutura social que se assenta na exploração dos trabalhadores. Precisamos avançar em mudanças na forma como produzimos as coisas (de alimentos a casas, carros e roupas, passando por computadores e telefones). Precisamos avançar em formas de democracia direta. Precisamos avançar na repartição dos lucros e da renda. Sem essas mudanças na estrutura da produção das condições da vida, sempre estaremos enfraquecidos e com o flanco aberto ao avanço dos reacionários (que trarão de volta a escravidão na forma de um aplicativo).

 

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Sobre a ideologia comunista

Neste post vou fazer uma brevíssima introdução ao comunismo e sugerir algumas leituras.

Primeiro ponto: o que querem os comunistas?

Resposta: viver em uma sociedade mais justa.

Como assim, mais justa?

Socialistas e comunistas acreditam que a fonte de toda a riqueza é o trabalho (aliás, não apenas eles, pois essa ideia também é compartilhada por Adam Smith, ninguém mais ninguém menos que o pai do Liberalismo). O trabalho é a fonte da riqueza pois apenas por meio dele a matéria bruta é transformada em bens e instrumentos de valor.

Já que é o trabalho que gera a riqueza, o sensato é que ela retorne a quem a gerou – o trabalhador. Por isso os socialistas e comunistas criticam a grande desigualdade social. Para eles, os trabalhadores fazem jus a uma parcela proporcional da riqueza que geram. No capitalismo, a maior parte da riqueza gerada pelos trabalhadores fica com os proprietários dos meios de produção (os donos das fábricas e das fazendas, que controlam as máquinas e os equipamentos). Para Marx, essas máquinas deveriam ser de propriedade dos trabalhadores – deveriam ser socializadas. Assim, as fábricas e as fazendas se tornariam espaços de trabalho coletivo e toda a riqueza gerada seria distribuída proporcionalmente entre todos os trabalhadores. A expressão “a cada um de acordo com o seu trabalho” é uma das máximas socialistas.

A socialização dos meios de produção seria um primeiro passo. Marx vai mais longe e considera que as decisões sobre a produção e sobre a “administração das coisas” também devem ser coletivas – em outras palavras, democráticas. Ele acreditava que movimentos como “A Comuna de Paris” indicavam um caminho para reorganizar a sociedade.

Em síntese, os comunistas pregam a distribuição mais justa da riqueza por meio da socialização dos meios de produção. Mas não se trata apenas de garantir um salário maior. É necessário aumentar o controle dos trabalhadores sobre seu trabalho e o produto de seu trabalho. Por isso propõem também a ampliação da participação dos trabalhadores no processo de decisão, sejam decisões administrativas no local de trabalho, sejam decisões políticas de âmbito mais geral.

Creio que podemos resumir a proposta socialista em uma palavra: solidariedade.

A ênfase do capitalismo é a competição, seja entre empresas, seja entre indivíduos. O Socialismo e o comunismo propõem um caminho oposto. Em vez de competição, colaboração. A união dos trabalhadores, a divisão mais proporcional da riqueza e a participação de todos nos processos decisórios – tudo isso levaria à construção de uma sociedade mais justa.

Gostaria de sugerir o livro “Marx estava certo”, de Terry Eagleton. Nele há uma apresentação bem didática das críticas que se fazem ao marxismo e suas respostas.

Note-se que o socialismo é anterior a Marx, mas ele foi o principal teórico do movimento e, quer seja para concordar ou para criticá-lo, trata-se de leitura obrigatória.

Espero ter ajudado. Se alguém tiver dúvidas, deixa na caixa de comentários que eu respondo.

Uma última obervação. Hoje em dia fala-se muito em um tal de “marxismo cultural”, que seria um instrumento de desagregação social e da família – preciso deixar claro que isso não existe. Isso não passa de propaganda contrária ao marxismo, mas baseada em uma série de falsidades. Sobre o “marxismo cultural”, gostaria de sugerir dois breves artigos. O primeiro, escrito por Jason Wilson, jornalista e escritor australiano – em inglês aqui (clique para ir ao site do jornal britânico ‘The Guardian’), mas tem uma tradução aqui, no site ‘El Coyote’. O segundo, escrito pelo professor Bertone Sousa, da Universidade Federal de Tocantins (clique aqui).

Abaixo, um brevíssimo histórico do Partido Comunista no Brasil.

  1. O Partido Comunista nasceu no Brasil em 1922. Denominava-se Partido Comunista do Brasil, mas a sigla era PCB;
  2. Em 1956 Nikita Kruschev, que havia se tornado o líder da antiga URSS, denunciou os crimes de Stálin e iniciou algumas reformas na União Soviética e na organização do movimento comunista internacional – por exemplo, a nova diretriz era que os partidos comunistas deveriam iniciar uma fase de convivência com o capitalismo, aliás, sugere-se que os comunistas ajudem no desenvolvimento da burguesia nacional. Em consequência disso, no ano de 1958 o PCB mudou de nome, passando a se chamar de Partido Comunista Brasileiro, mantendo a sigla PCB. O partido reorganizou-se e passou a ter um perfil mais nacionalista e desenvolvimentista, deixando para uma outra fase qualquer pretensão de mudar nosso modo de produção, de capitalista para socialista. Considerava que primeiro era necessário desenvolver as forças produtivas nacionais ao máximo e só então socializar os fatores de produção. Para isso era necessário industrializar o Brasil e criar uma burguesia forte;
  3. Em 1960, integrantes do PCB que rejeitam as mudanças no partido fundam o PCdoB, para manter o nome original de Partido Comunista do Brasil, e seguem fiéis às orientações anteriores a 1958. Eles, na verdade, se consideram a continuidade do partido fundado em 1922. Daí pra frente, os comunistas seguiram divididos.

Ah, lembrei de mais uma coisa que costuma gerar dúvida: o PT é um partido comunista? Não. O PT está mais próximo de ser um partido Trabalhista ou um partido Social-Democrata, que defende a criação de um estado de bem-estar social, à semelhança do que existe em países como a Noruega, Dinamarca e Suécia, a partir da conciliação entre capital e trabalho e não da socialização dos meios de produção.

 

 

 

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Impeachment pode ocorrer tranquilamente… ou, sinto muito Renato, mas ninguém vai atear fogo

Acabei de ler este artigo do Renato Janine Ribeiro (clique) e discordo dele.

Uma campanha pelo impeachment de Dilma, mantidas as atuais condições de temperatura, pressão e comunicação, não provocarão reação alguma. Dilma está hoje como Jango em março/abril de 1964, ou seja, tem pouquíssima gente disposta a ir pra rua em seu nome e em nome do legalismo.

Explico melhor. A campanha da legalidade, ao movimentar a esquerda e o povo em favor de um projeto progressista “elegeu” Jango, mais ou menos como o recente segundo turno elegeu Dilma com uma arrancada final da militância e da esquerda, assustada com a possibilidade de retorno do projeto conservador encabeçado pelo PSDB (essa UDN rediviva). Mas, do mesmo modo que a Jango, falta a Dilma o discurso mobilizador, falta a vibração que mantém acesa a esperança e, principalmente, falta entregar o que o projeto progressista prometia – Levys e Kátias arrefecem o coração de qualquer militante. Neste interessante artigo do historiador Jorge Ferreira (clique) temos elementos que nos ajudam a entender porque em menos de 3 anos (de 1961 a 1964) Jango perdeu todo o capital político que a campanha da legalidade lhe deu. Creio que Dilma vive situação semelhante, guardadas as devidas proporções, e que seu capital não vai precisar de três anos para se apagar… talvez bastem três meses…

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Talvez não seja o emprego…

Saiu uma nova pesquisa do datafolha. Dilma segue estável e liderando, mas num eventual segundo turno já empata com Aécio.

Já está bem consolidado na ciência política que o desempenho geral da economia não favorece a sobrevivência política de presidentes. Até mesmo os dados de emprego não ajudam muito a garantir a reeleição. Se a economia vai bem, o eleitor tende a  considerar isso como coisa dada e concentra seu foco em outros temas.

O governante da vez costuma ser afetado pela situação econômica apenas pelo lado negativo, ou seja, se a economia vai mal, ele tem menos chances de se reeleger porque este será mais um fator a reforçar a vontade por mudança.

No Brasil de hoje a economia e o emprego vão bem. Mas se isso não favorece, pelo menos não atrapalha a presidenta.

De qualquer modo, a lição que tiramos disso é que a política vai decidir a eleição. O candidato que se comunicar melhor leva.

A presidenta precisa comunicar melhor a boa situação que vivemos, e a oposição precisa comunicar melhor a mudança que quer fazer e os benefícios que isso traria.

Mas continuo crendo que nessa o PT leva vantagem, pois a presidenta ainda pode usar o discurso da mudança, que está lenta, mas segue. Já o PSDB… bem, o PSDB tem o passado e a rejeição.

Assim, talvez não seja o emprego o fator que definirá a eleição, mas com certeza ele não atrapalhará a presidenta, o que já é bastante coisa.

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Impacto da Copa nas eleições de 2014… ou, é o emprego, estúpido!

Olá,

Depois de um tempão, resolvi voltar a escrever. E o tema que me move hoje é a eleição de 2014.

Qual o impacto da Copa nas eleições, tanto presidenciais quanto de governadores?

Nenhum… zero… nada. Esse será o impacto.  🙂

A eleição ocorrerá daqui a 3 meses, muita água passará por baixo da ponte, os programas na TV, os debates e, principalmente (afinal, quem assiste aos programas e debates?) as conversas entre as pessoas se desviarão rapidamente da Copa e tratarão do emprego, da insegurança, da imagem que os candidatos passarão. Ao fim e ao cabo, será a soma entre essa imagem e o cotidiano dos eleitores que definirá a eleição.

Alguém já disse “é a economia, estúpido”, mas a verdade é que não é só a economia, é também a imagem que se passa da economia e dos administradores. Em São Paulo, por exemplo, se Alckmin conseguir passar a imagem de que a falta d’água é culpa da chuva, se reelege… se a oposição conseguir passar a imagem de que ele é um mal administrador, ele perde… bem, ele perde se alguém na oposição conseguir se passar por um administrador mais capaz (Alckmin tá com a mão na taça, né?).

No plano federal, a mesma coisa. Se o Aécio (Campos/Marina tão fora, né?) conseguir se vender como um administrador mais competente, ou melhor, como alguém capaz de fazer uma grande mudança para melhor na vida das pessoas, se elege. O problema dele é que é muito difícil ele fazer isso. O PSDB cheira a velho, tem de carregar o corpo do FHC, não sabe chegar perto do povo (acho que porque não gosta do povo, vide o meme automático do boneco de papelão do Aécio).

Por incrível que pareça, a Dilma ainda pode capitalizar em cima da mudança. Sempre se pode culpar o PMDB pelo mal e o “pacto pela governabilidade” como um preço ainda aceitável por alguns avanços. Além disso, mais que a economia, estúpido, creio que a lição das próximas eleições será “é o emprego, estúpido!”

Abraços,

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Imprensa de merda, viu? Um brasileiro se torna presidente da OMC e a manchete do Estadão é sobre o salário dele… fofoquinha besta.

Não acredita nisso? Olha aqui!

Isso estava na capa da edição da internet, na capa. Porra, não tem nada melhor pra falar sobre a OMC, multilateralismo, rodada Doha, a inserção do Brasil em fóruns internacionais, sobre a crise da OMC e os desafios do Azevêdo, não?

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Fui ler a Proposta de Emenda Constitucional que submete decisões do STF ao Congresso Nacional algumas decisões do STF (a PEC 33 – ou PEC33/2011).

Caso queiram, ela pode ser lida aqui.

Bem, ela pretende três coisas:

1)      Aumentar a quantidade mínima de votos necessários para que um tribunal declare a inconstitucionalidade de uma lei ou norma;

2)      Submeter a aprovação das súmulas vinculantes ao Congresso;

3)      Dar ao Congresso a possibilidade de reverter a declaração de inconstitucionalidade feita pelo STF, submetendo-a a um plebiscito.

A primeira parte da proposta, aumentar o número mínimo de votos, até pode ser interessante, mas as outras duas apresentam problemas.

A súmula vinculante não é lei, logo, leva-la ao Congresso é, no mínimo, desnecessário. Ela, também, tem efeitos bem restritos. E se houver necessidade de legislar sobre o assunto, o Congresso pode fazê-lo. Além disso, o STF tem a competência de propor projetos de lei (art. 61 da Constituição), assim, se alguma súmula puder ser transformada em lei, o próprio STF já tem a competência de propor um projeto de lei.

Mas a mais grave é a terceira parte da proposta, a possibilidade de levar a plebiscitos a decisão sobre a inconstitucionalidade das normas. E isso não tem nada a ver com a possibilidade de julgamentos do STF serem revistos pelo Congresso – não é bem isso que a PEC propõe. Tampouco a proposta é uma revanche de “mensaleiros petralhas”, afinal, o relator da proposta é do PSDB. O grave é que essa proposta ameaça o Estado laico e os direitos das minorias.

Explico. Imaginemos que se aprove uma lei proibindo o aborto de anencéfalos ou proibindo a união civil entre pessoas do mesmo sexo – esses direitos foram sacramentados em decisões do STF e não em normas vindas do Congresso. Bem, tendo em vista que o STF já se pronunciou sobre esses temas, considerando esses direitos como constitucionais, uma hipotética lei que os contrarie seria inconstitucional. O STF, quando provocado, diria que essas leis são inconstitucionais e anularia sua eficiência. Hoje em dia os direitos dos que optam por fazer o aborto de anencéfalos ou manter uma união estável com parceiro de mesmo sexo estariam garantidos, mas se essa PEC passasse o Congresso teria de se manifestar e poderia levar a decisão a plebiscito – num plebiscito a opinião da maioria prevalece, mas esse instituto que parece bem democrático pode ser usado como um instrumento para retirar direitos de minorias. Um outro exemplo, o Congresso aprova uma lei instituindo a pena de morte no Brasil, coisa vedada por nossa Constituição. Se tal coisa acontecesse, o STF declararia a inconstitucionalidade da norma, mas o Congresso poderia chamar um plebiscito  – pelas pesquisas de opinião de hoje a pena de morte seria aprovada, inserindo em nosso campo legal uma prática inconstitucional.

Além desses exemplos hipotéticos, é bom lembrar que os tribunais constitucionais existem como uma instância de freio e contrapeso aos poderes executivo e legislativo, assim, submeter a especialidade de um dos três poderes, no caso o controle constitucional, a outro poder, no caso o legislativo, significa quebrar esse sistema.

Mas, porque PT e PSDB se uniriam nessa questão? Afinal, o proponente é do PT e o relator da PEC é do PSDB. A resposta vem da religião. Ambos são evangélicos, ambos são contra o aborto de anencéfalos, ambos são contra a união civil de pessoas do mesmo sexo, ambos são contra um monte de decisões do STF que garantiram direitos às minorias. O maior problema dessa PEC é que ela ameaça o Estado laico.

Esqueça a capa da Veja, esqueça a “crise institucional”, o problema é a religião se metendo onde não devia. A César o que é de César! Fiquemos atentos e vigiantes, o inimigo sorrateiramente esgueirou-se pra dentro do Estado e já começa a ensaiar seu domínio.

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Uma conversa sobre multipolaridade

Hoje, conversando com colegas, chegamos a uma discussão sobre o poder ianque no mundo.

Considerei que uma solução para isso seria ampliar espaços multipolares.

Ouvi como resposta que entre um domínio mundial pelo Irã ou pelos Estados Unidos, é melhor o domínio pelos ianques.

Bem, creio que as premissas dessa conversa estão erradas. Não existe tal opção. Não estamos num mundo onde temos de escolher entre a Luz e as Trevas. Mas temos de reconhecer que os ianques são bons em sua propaganda, que repete os cacoetes da Guerra Fria, só que hoje em dia o Império do Mal não é mais a União Soviética.

A essa minha ponderação, ouvi que ninguém cederia espaços de poder e que os ianques ocupam vácuos de poder, que se não forem ocupados por eles, certamente será ocupados por criaturas como Ahmadinejad.

Tentei argumentar que não se trata de pedir que alguém ceda espaços de poder – concordo que ninguém cede espaços de poder – mas de ampliar o poder de outros jogadores internacionais. Lembrei teses do James Madison (Pai Fundador/Founding Father) da República norte-americana, que justamente por considerar que o homem é o lobo do homem, propôs que o único meio de evitar a excessiva concentração de poder e a tirania era garantindo espaço para a participação de diferentes grupos nas arenas de decisão. E essa participação não se dá porque alguém cede, mas a própria existência dos grupos e do espaço de discussão impede a ação dos tiranos. Não se trata, pois, dos EUA cederem seu espaço de poder, mas de outros atores resistirem à tirania – o mero exercício da resistência elimina a tirania. Considerei que domínio é domínio, seja de Washington ou (hipoteticamente) de Teerã. A multilateralidade vem “naturalmente” da resistência.

Daí vieram criticar as escolhas diplomáticas de Lula, dizendo que não se combate a hiperpotência americana se associando a ditadores como o iraniano, Chávez ou os irmãos Castro. Aliás, segundo eles, os americanos, por defenderem os valores ocidentais, deveriam ser apoiados.

Bem, acho que não me fiz claro. Desisti. Aos olhos deles, fiquei parecendo um lunático defensor de utopias. 

Será que é tão difícil assim que a multipolaridade é a real defesa da civilização contra a barbárie?

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dois momentos da imprensa hoje

Dois bons momentos da imprensa hoje.

No Correio Braziliense há a seguinte manchete “Projeto de eleição de Collor teria boa aceitação na região Nordeste(link aqui), e no corpo da notícia se lê “O ex-presidente Fernando Collor teria uma boa aceitação em quase todos os estados do país. Seu melhor desempenho, segundo as pesquisas que contratou, seria nas regiões Sul, Nordeste e o estado (sic) de São Paulo”. O mais interessante é que a notícia, de algum modo, mete o mensalão no meio do assunto.

Um ótimo exemplo de como a manchete te induz a uma coisa e o texto diz outra. A manchete culpa o nordeste por uma eventual volta de Collor, o que é desmentido pela própria notícia – será apenas mal jornalismo ou má vontade mesmo? E, claro, tenta misturar a imagem já desgastada de Collor ao mensalão e ao PT (corrupção vende jornais, né?).

Outro momento foi ouvindo a CBN sobre o discurso do senador Aécio Neves com 13 críticas ao PT. O discurso aproveitou-se da celebração dos 33 anos do PT e 10 anos de administração petista, afinal, este é o melhor momento para ganhar espaço na mídia criticando o partido na hora em que ele (naturalmente) faz autoelogio. A repórter, porém, tasca que o discurso de Aécio foi uma resposta aos números maquiados da celebração do PT – isenção, ou pelo menos fingir, pra quê, né? Mas precisava ouvir o tom de lamento pelas baixas qualidades retóricas do mineiro – quase chorou, a moça, lamentando que a oposição não tem ninguém capaz de enfrentar o ex-presidente Lula. Analisar o discurso, apontar números maquiados que ele tenha citado, contrapor a intervenção de Lindbergh Farias, nada! Aliás, sobre a intervenção do senador petista, apenas disse que ela foi “palanqueira”, o que quer que seja isso – mas, obviamente, isso foi dito para ignorar o que ele disse. Enfim, até para ser partidário, esse jornalismo é ruim, pois é raso, incapaz de apresentar reais alternativas.

Pobre oposição, tão dependente de uma imprensa tão chinfrim…

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