O canal de notícias “my news” divulgou um vídeo sobre o ato em apoio ao ex-juiz sérgio moro e ao governo (?) bolsonaro no dia 30 de junho de 2019. No vídeo, a 1 minuto e 30 segundos, um cidadão afirma que está com bolsonaro por causa “de quem está por trás dele”. Esse pequeno discurso junta-se a outras evidências que demonstram não haver um bolsonarismo. O atual presidente do brasil é apenas a expressão de um pensamento político muito forte no brasil, mas que não se organiza ao redor dele – tem em bolsonaro apenas um de seus sintomas.
Não existe um bolsonarismo, pois ele não é figura essencial a esse pensamento político. Dória poderia expressá-lo, assim como o Witzel ou qualquer outro que estivesse disposto a usar a retórica agressiva, por meio da qual esse pensamento se expressa hoje. Mas nem essa retórica agressiva é essencial. Quando o PSDB dominava a política brasileira no plano federal, a retórica era de modernização e sofisticação, mas o pensamento político era o mesmo.
E de qual pensamento político falamos? Na falta de expressão melhor, creio que a palavra ‘reacionarismo‘ o define bem.
Há quem fale em fascismo, protofascismo, semifascismo, autoritarismo, atavismo escravista – essa última definição me parece boa, mas ainda creio que ‘reacionarismo’ expressa melhor a essência do pensamento político por trás do bolsonaro. Chamar esse pensamento de fascista ou de autoritário é limitá-lo. O autoritarismo é um recurso, um instrumento usado pelo reacionarismo, mas não o seu centro. Esse pensamento pode usar muitas ferramentas, e só apela ao autoritarismo quando outros recursos falham. Não se enganem, a violência cotidiana no Brasil, real e simbólica, é o instrumento mais usado pelo reacionarismo, mas o discurso de tipo fascista, tão na moda recentemente e expresso de modo patético por bolsonaro e seus olavetes, é guardado para momentos especiais.
E qual seria a essência do pensamento reacionário? A busca pela manutenção do statu quo e a consequente reação a toda e qualquer mudança.
Os reacionários brasileiros não querem mudanças. Qualquer modernização só é aceita se no fundo não mudar nada, se for uma modernização conservadora. Mais que um “atavismo escravista”, o reacionarismo é um atavismo colonial. Nossos reacionários desejam a manutenção de um status que é, estruturalmente colonial, incluindo-se a submissão (econômica e cultural) a uma potência estrangeira, a falta de um projeto nacional e de desenvolvimento autônomo e a consequente inserção na divisão internacional do trabalho de modo periférico, bem como a ojeriza à base da classe trabalhadora. Esses aspectos coloniais estão inter-relacionados, pois são as características estruturais que mantêm a profunda desigualdade social, base dos ganhos da elite (pela superexploração da classe trabalhadora), dos privilégios do segmento médio (pela possibilidade de se beneficiar do achatamento da renda do trabalhador) e do estado de fragmentação e desorganização da classe trabalhadora (premida pela necessidade de sobrevivência e sem a possibilidade de obter renda necessária a superar a pobreza nacional em virtude da fragilidade das forças produtivas locais – monocultura de soja não sustenta um país. Além disso, a ojeriza ao trabalho da base social faz com que os próprios trabalhadores procurem meios de sair individualmente do atoleiro, e não como classe nem como Nação)
Se as mudanças sociais parecerem ameaçar o equilíbrio desigual entre as classes, os segmentos de maior renda reagirão furiosamente – foi assim em 1964 e 2013/16, e foi isso que sustentou a eleição de bolsonaro e dá ânimo a seus apoiadores. O apoio não é ao presidente nem ao ex-juiz, mas “ao que está por trás” – e o que esta por trás não são “os generais”, como abstratamente o cidadão do vídeo indicado acima define a resposta autoritária do reacionarismo a qualquer aparência de mudança social. O que está por trás é o reacionarismo, a resistência a mudanças no padrão de relacionamento entre as classes. No Brasil, os segmentos médios beneficiam-se da superexploração da classe trabalhadora, mesmo fazendo parte dessa mesma classe. Mas essa situação é frágil e, por isso, reagem tão violentamente quando sentem que perdem algo de seu prestígio e privilégio.
Nesse sentido, o bolsonarismo não existe, o que existe é o reacionarismo. O apoio a bolsonaro e o uso de sua retórica de tipo “fascistoide vira-lata” é apenas a expressão deste momento. Era a forma mais viável de afastar a mínima possibilidade de mobilidade social (mesmo que fosse dentro das mesmas estruturas excludentes).
Logo logo o reacionarismo vai encontrar outra forma de expressão, fazendo com que o “fascistismo vira-lata” volte à franja da sociedade (para que seja economizado e possa ser usado novamente quando necessário). Suponho, inclusive, que a próxima forma do reacionarismo será uma “direita moderada”, que procurará resgatar o tom retórico da era FHC – mas não nos enganemos, será tão extremista em seu “fundamentalismo de mercado” e desejo de submissão colonial quanto é hoje.
E não nos enganemos, esse reacionarismo sustenta a manutenção do Brasil como um país periférico do capitalismo – produtor de commodities (soja, açúcar, carne, minério de ferro etc.). Para superarmos nossos problemas precisamos vencer esse duplo desafio: sair da periferia e superar o capitalismo. Sair da periferia significa buscar uma forma de desenvolvimento autônomo. Superar o capitalismo significa garantir a nós trabalhadores a justa fração da riqueza que nós produzimos.
Por isso é importante termos clareza que nosso adversário não é bolsonaro, mas sim uma estrutura social que se assenta na exploração dos trabalhadores. Precisamos avançar em mudanças na forma como produzimos as coisas (de alimentos a casas, carros e roupas, passando por computadores e telefones). Precisamos avançar em formas de democracia direta. Precisamos avançar na repartição dos lucros e da renda. Sem essas mudanças na estrutura da produção das condições da vida, sempre estaremos enfraquecidos e com o flanco aberto ao avanço dos reacionários (que trarão de volta a escravidão na forma de um aplicativo).